domingo, 9 de abril de 2017

༾ Angel ༿


Autour de moi • Ao meu redor
Je ne vois pas • não posso ver
Qui sont des anges • quem são os anjos
Sûrement pas moi • certamente, não eu
Encore une fois • Mais uma vez,
Je suis cassée • estou quebrado
Encore une fois • Mais uma vez,
Je ne crois pas • creio que não.

Ao final do ano passado, decidi abandonar o facebook porque ali me expunha demais a fatos, notícias da realidade; havia resolvido abandonar a vida real, porque só se reporta coisa ruim. Desde então, consumo apenas histórias de ficção – as reais são trágicas demais.

Pois nesta madrugada de quinta para sexta entrei no site para procurar uma página que estaria armazenada na seção de links salvos. No mural, uma postagem logo me tomou a atenção. Uma foto da minha querida amiga Angel, abraçada com um rapaz, e uma mensagem que indicava a morte dele. Mas uma cruzada de olhares me fez entender que o post se originara da conta do garoto. A mensagem era dele. Dela era a morte.

Fui dormir incrédulo. Na sexta, depois de muito tempo me lembrei de uma coisa que no cinema sempre me deixava meio sem entender: quando, diante da morte de alguém querido, um personagem reage de forma estática, sem desespero imediato ou choro compulsivo, ele apenas fica ali, atônito, processando a passagem do ente como fosse uma operação matemática, ou um daqueles exercícios de lógica. Sim, esse era eu, na sexta, tentando resolver um problema de lógica que não me apresentava outra solução, tampouco qualquer lógica. Como poderia ela ter morrido? Ela? Tão nova, tão contagiante; um farol de alegria. E agora eu deveria aceitar que a luz se foi? Fui tomado por uma enchurrada de lembranças, e a ficha foi caindo, junto com as lágrimas.

Lembra como ela viu algo de especial em mim e, estrategicamente, foi se aproximando, atrás da minha confiança e amizade?
Lembra quando uma vez ela me disse que eu não deveria esconder o brilho dos meus olhos por trás de lentes de contato, pois sem o brilho nos olhos parecemos não ter vida, como dizia sua avó?
Lembra quando ela passou a me levar aos seus ensaios de teatro e me ajudou a me entrosar, sem forçar, porque eu era tímido e precisava de alguém que me fizesse sentir à vontade?
Lembra quando ela me aconselhou a não fazer aquela tatuagem aos dezesseis, porque eu poderia me arrepender – e ela estava certa, eu teria me arrependido –?
Lembra das tantas vezes em que ela, sem parecer, me ensinou a importância de se sentir bem com quem você é, e se importar menos com a opinião e os olhares tortos de outros?
Lembra que a gente se encontrava com um abraço forte e um selinho?

Ela era muito querida por seus milhares de alunos – vê se pelos depoimentos saudosos agora acumulando em seu mural. Ela foi minha professora, como de todos eles, mas além disso ela se tornou minha amiga próxima, me levou pra sair, me ensinou a tentar ser feliz, a aceitar minha sexualidade, a me soltar e deixar rolar. Ela me ensinou que é normal ser normal. E eu me sentia à vontade ao lado dela como me sinto com poucos, bem poucos. Ela era apaixonada por arte, mas acima disso, pela influência da arte na vida humana. Isso transparecia a todos que a conheciam. Era de muito boa energia. Sua marca registrada era sua gargalhada, alta, farta, frisante, deliciosa. Como eu disse, ela era de todo contagiante. 


A minha dor está, em parte, em saber que eu não posso mais falar com ela, rir com ela, me perder em um abraço dela; que, desde que voltei a Brasília, só nos vimos três vezes, por maldita falta de tempo. Na última vez que nos vimos, eu comentei com ela que havia encontrado um video que eu fiz dela nos tempos de colégio, quando ainda era minha professora, em 2003. Em sala de aula, ela deixou escapar que havia aprendido um pouco de dança do ventre e, ao pedido em coro da turma, teve de dar uma pequena amostra. Ela não acreditou que eu ainda tinha o vídeo e me pediu que enviasse a ela. Meses depois, encontrei o video e deixei separado no computador. Um dia, quando ia tentar mandar o arquivo, pensei: ah, mas o aniversário dela está chegando, agora em maio... vou esperar para enviar de surpresa na data, melhor assim.


Mas maio não vai chegar para ela. Ela nunca mais verá o video. E eu nunca mais vou ouvir aquela gargalhada, senão em lembrança. Ao menos, sim, em lembrança, sempre ouvirei.

Adeus, minha gostosa! Você estará comigo toda vez que eu dançar!


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