quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Sva Marga.

Seis meses após aquele janeiro traumático, resolvi levantar a cabeça e retornar a Florianópolis nas férias de meio de ano. Eu sabia que podia enterrar as lembranças ruins criando novas memórias por cima. Num lugar rico em belezas naturais não faltam opções fantásticas.

Por algum motivo, eu precisava voltar, e precisava focar em mim nesta viagem. Como se, de quando me quebrantei no verão, houvesse por lá um pedaço remanescente, perdido, que me chamava em mistério, clamando por se unir ao todo de volta, numa voz que só minhas vísceras conseguiam captar e traduzir. E assim eu tentei me interiorizar, descobrir o que era essa voz, e como, onde, porquê. Achei num livro.


Não a voz, mas uma diretriz. Na mesa de centro do Jacaré, uma cópia do Silêncio na era do ruído, do Erling Kagge, escritor e explorador norueguês. Não conhecia, mas o título conversou comigo. São  breves, mas preciosas páginas, que desdobram variadas formas de silêncio e sua ausência, e a importância de ouví-lo. Temos que aprender a buscar o silêncio ao redor, e dentro de nós. Era isso que eu tinha ido ali fazer. Foi, especialmente para este ano, uma leitura essencial. Dali então eu tentei ouvir o silêncio nos passeios que fizemos, fosse praia ou montanha, fosse fazendo yoga trepado em árvore ou caindo à margem do rio de bunda nas pedras. Queria entrar onde o barulho se esvaziasse.

Num dos últimos dias, fizemos a famosa trilha da Lagoinha do Leste, ao sul da Ilha, um caminho de uns 40 minutos que leva à praia, de onde sobe o imponente e íngrime Morro da Coroa, que dá vista aberta ao mar e à Praia da Lagoinha. É uma trilha de alto grau de dificuldade, e chegamos a nos perder por um tempo. Naquela tarde, a temperatura caiu e um nevoeiro cobriu o morro, e ali ficamos imersos, revitalizados pelo toque da bruma gelada. Aquela neblina era um próprio silêncio materializado a nos circundar: não se enxergava diante do nariz. E a branquidão da névoa trouxe uma inevitável quietude, pois pecava quem não se calasse em apreço àquele espetáculo. Que sossego!

Como é cheio o silêncio! Ao final do livro, o Erling cita Sva Marga, uma expressão em Sânscrito que traduz como Siga sua própria trilha. E da minha última mudança de tema para cá, noto que estou seguindo minha trilha, aprimorando o caminho quanto mais o conheço – e me conheço.

O silêncio está em toda parte. O segredo é se afastar.


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