segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Já é um começo
A crítica do Correio Braziliense deu apenas 2 estrelas ao filme, e eu concordo. Na minha opinião, são vários os problemas em Do começo ao fim.
O mais grave de todos é o roteiro, bastante imaturo. Na primeira metade do filme, o conflito não fica claro; tudo são flores. Em vários momentos, na tentativa de inserir textos de enxerto para tornar as cenas mais naturais, o roteiro escorrega e cria situações constrangedoras, com falas bobas e vazias que pouco acrescentam à história.
Depois de meio filme mostrando a infância dos personagens principais, o filme come 15 anos da vida do par de irmãos e recomeça num ponto em que tudo faz menos sentido ainda. A mãe dos dois, desde o começo da fita, se mostra transigente e aberta a diálogo, num esforço para ajudar os filhos a entenderem a profundidade de sua relação. E mesmo assim o roteirista achou que seria preciso matar a mãe forte e tolerante (belamente interpretada pela Julia Lemmertz) para que os dois irmãos se sentissem, enfim, livres para assumir seu romance. Francamente, essa foi uma saída fácil demais, e que só prejudicou o andar da história, tornando-a fraca.
Então vemos em cena a primeira vez de Francisco e Thomás. Após a morte da mãe, e com a casa livre para o casal, eles poderiam ter um lindo momento de amor, que daria chance ao diretor de explorar sua visão sobre a densa relação entre os irmãos, com uma linguagem visual bem apropriada; mas não, novamente o texto vacilou, e o que vemos são dois rapazes bonitos se despindo, e em seguida, dois corpos empilhados na cama, dormentes. Fez a alegria das bichinhas no cinema, que soltaram gritinhos e assobios, mas eu achei uma cena pobre.
E não foi o único momento em que a nudez dos atores foi usada como recurso narrativo desnecessário. Por mais que os personagens sejam lindos, podia-se aproveitar as cenas de forma mais bonita e menos apelativa, e, mostrá-los pelados naqueles momentos, na minha opinião, desvirtuou o foco da história. E insisto em dizer que eu não sou nenhum pudico: não tenho problemas com nudez no cinema, desde que contribua para o resultado do filme.
Houve, porém, um ponto do roteiro que achei realista, que foi o envolvimento do Francisco com uma garota que ele conhece na boate. Com a distância do irmão/namorado, que foi treinar na Rússia, ele sente os sinais da carência e flerta com uma mulher, o que me fez pensar duas coisas: talvez ele fosse gay apenas na relação com seu irmão, ou sentisse que o peso da traição fosse menor por se tratar de uma mulher; e durante esse rolo, ele jamais contou a ela a natureza de seu relacionamento com o Thomás, o que foi o mais próximo que o filme chegou de abordar o assunto incesto. Achei esse trecho honesto, por mostrar a fraqueza e a vulnerabilidade de um homem em uma relação homossexual à distância.
Num aspecto geral, achei a direção do filme simplória. Embora algumas cenas apresentassem movimentos de câmera interessantes ou belos cenários de fundo, me decepcionei com o despreparo geral dos atores ao desenvolverem o tema, o que eu atribuo ao diretor Aluízio Abranches. Quanto à edição, me incomodei com a quantidade de fades nas trocas de cenas. Qualquer médio entendedor de edição sabe que excesso de fade ins e fade outs cansa o espectador.
A última cena me fez refletir sobre o nome do filme, Do começo ao fim. Para mim, esse título sugere o "pra sempre" que o Francisco promete ao Thomás ao longo da história. Achei que, no final, quis-se mostrar que há uma soma entre o amor dos dois irmãos e o amor dos dois namorados, e que essa soma resulta em um amor que dure para sempre; pra mim, esse foi outro acerto. Mas após o final, eu concluí que o diretor se propõe a abordar um assunto e fracassa: em todo o filme, não se fala da questão do amor entre irmãos mais do que superficialmente, o que me deu a impressão de que o método adotado por Abranches foi apelar para um texto mais limpo e deixar a parte do tema controverso para que o público discutisse entre si. Sendo assim, o filme não cumpre seu papel e acaba sendo apenas mais uma história de um casal apaixonado.
De qualquer forma, reconheço a coragem do Aluízio Abranches, e a importância de Do começo ao fim como o primeiro filme gay de qualidade do cinema brasileiro. Ainda há muito o que crescer, mas, sem dúvida, este já é um começo.
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Valeu a visita ao Meia Duzia, Joe! Parabens pelo seu blog! :)
ResponderExcluirPois é Joe, não concorei com muitas coisas deixadas na versão final do filme, porém, como disse na minha resenha, acho que o filme é bom, só que é necessário se pensar, refletir, discutir. O que é algo bom, se pensar que ele irá permanecer em nossa vida, mesmo após ao fim da sessão.
ResponderExcluirabraços
leo
p.s. o triste é que até o hoje o filme é pouco divulgado, e continua com o preconceito imenso por parte de todos.
Olá! Apesar de todos os comentários para mim o filme foi EXCELENTE! Abraços para todos aqui de Floripa!!!
ResponderExcluirNossa, a crítica está espetacular, muito bem feita! Concordo que o filme foi fraco, e também concordo que mesmo assim foi uma iniciativa válida e interessante.
ResponderExcluirMeus sinceros parabéns ao blog. Você capricha muito, desde o "quem sou eu" a qualquer detalhe. Você faz um trabalho excelente. Eu estava vendo a postagem sobre o filme Shelter e fiquei impressionado com a qualidade... presente em tudo: nas imagens, na disponibilização dos links pra baixar o filme, no texto... tudo com muito cuidado e esmero. Isso tudo só te aproxima cada vez mais da perfeição. Reitero veementemente meu parabéns.