Há muito tempo, muito antes de nos trancarmos em anseio e quarentena #hipster, eu queria citar esta entrevista da Lady Gaga sobre o processo criativo por trás do vídeo de Marry the night – faixa que abre o álbum obra-prima da moça, Born this way, e um de seus melhores trabalhos (aquele suspiro no primeiro segundo sou eu).
Na entrevista, ela explica que este foi o primeiro videoclipe que ela dirigiu, e que se trata de uma história autobiográfica, que narra um momento de colapso físico-emocional: um dia, voltando de uma internação hospitalar, ela descobriu que foi abandonada pela gravadora, e precisou decidir se teria a força necessária para recomeçar. "Marry the night é sobre casar-se com o sombrio, abraçar as dificuldades da vida, e o vídeo sugere a todos que mantenham suas lutas próximas ao coração, e as tenham como algo que causa orgulho em vez de vergonha". O clipe é, na verdade, um lindo curtametragem.
Eu queria usar este trecho da entrevista, tempos atrás, para deixar falar por minhas tribulações com as quais, à época, eu precisava me casar, batalhas pessoais que eu precisava aceitar e vestir expostas no peito, sem medo. Então muito se passou, veio covid-19, e Dona Doida lançou seu novo álbum, Chromatica. E veja, que coisa: no Born this way, as letras traziam mensagens positivas e empoderamento em canções pop embaladas em peças sombrias de ópera rock; no universo do novo álbum, as melodias são um convite à dança e à expressão do corpo e alegria da alma, e as letras ali envoltas lidam com passagens pesadas de vida e contendas emocionais internalizadas. Como um álbum pop, a Gaga entregou aqui tudo que os fãs esperavam, mas são as letras de Chromatica que me trazem para falar de duas faixas preferidas.
Introduzindo a atmosfera do disco, Chromatica I transita para Alice, e apresenta a imersão mental da cantora em um buraco emocional (em alusão à queda de Alice no País das Maravilhas), de onde grita e luta por sobrevivência. Os vocais e a produção tornam esta uma faixa essencial.
My name isn't Alice
(Meu nome não é Alice)
(Meu nome não é Alice)
but I'll keep looking, I'll keep looking for Wonderland
(mas eu sigo buscando, sigo buscando pelo País das Maravilhas)
Set me free
(Me liberte)
Could you pull me out of this alive?
(Pode me tirar daqui viva?)
(Pode me tirar daqui viva?)
Where's my body? I'm stuck in my mind
(Onde está meu corpo? Estou presa na minha mente)
Ao meio da jornada, Chromatica II flui para 911 numa transição tão primorosa, que já nasceu clássica para a história da música pop. Aqui ela narra sua longa batalha contra sua sabotadora interna, em um pedido de ajuda ao som de batidas eletrônicas pra pista.
Keep repeating self-hating phrases
(Sigo repetindo frases de autorrepúdio)
I have heard enough of these voices,
(Já ouvi o bastante dessas vozes,)
almost like I have no choice
(quase como se não me houvesse escolha)
Front I've built around me, oasis
(Fachada que construi ao meu redor, um oásis)
Paradise is in my hand
(Paraíso está na minha mão)
Holding on so tight to this status
(Me segurando firme a esse estado)
It's not real, but I'll try to grab it
(Não é real, mas eu tento agarrá-lo)
Mais do que com o som, eu me identifiquei com algumas letras do novo trabalho, porque é de fato nas trevas da condição humana que eu me acho; ali, perdido num buraco, a voz interna me enganando. Mas, sem dúvida, a Gaga trouxe luz e cor e música e dança pro centro do breu das nossas mazelas da alma – o que tão bem se aplica aos dias densos de quarentena. Enquanto choramos, ao menos dancemos.
I would rather be dry, but at least I'm alive. Rain on me.
Nenhum comentário:
Postar um comentário