Meio de março, 2020
Em Brasília, iniciamos o estado de isolamento voluntário. A quarentena é real, prevendo o alto pico do covid19 que atingiria altos números nos meses a seguir. Jamais pensei viver um roteiro de filme de pandemia apocalíptica. Lá atrás, um bom número de inocentes acreditava que em um mês tudo se normalizaria, e poderíamos voltar às ruas, ao trabalho, à rotina. Eu sequer me iludi – e olha que sou de Peixes.
A realidade foi ficando mais nítida, e foi trazendo a verdade dura e crua: os planos, os rascunhos, e os não-planos, tudo fora por água abaixo. Esqueça quaisquer pretensões; conforme-se, nada mais será. Até aí eu entendia. É que o piorar das coisas foi revelando o que vinha mais abaixo: não tem mais normalizar, voltar ao mesmo, retomar os planos de onde se os interrompeu.
E, enquanto eu não sofro diretamente os efeitos da doença ao meu redor, eu encaro a mancha que mais corrompe nessa pandemia. Todo o mundo teve seus planos e intenções lavados e despejados como em enxurrada, e agora tudo requer recálculo, mas o norte é o caos. E eu me peguei pensando em tudo que eu queria fazer, as mudanças que esperava conquistar neste ano, os lugares que eu pretendia conhecer, as conquistas, o lugar de vida aonde almejava chegar. E, no mesmo barco, me pergunto o que faz de mim merecedor, pra começo de prosa? O que é o que me torna intitulado a todo esse futuro? A pandemia prega essas peças na gente. Enquanto você luta pra se manter positivo e acreditar em si e no futuro da raça, vem a dúvida perversa lá do âmago do seu frágil: é a calamidade dos tempos que torce tudo, ou eu realmente pirei a vida toda crendo que merecia brilhar e alcançar? Ir, ver e vencer?
No meio desses quase três meses de reclusão, eu saí de casa. Porque minha casa nunca foi meu lar, mesmo; e, de certo, não me fazia bem estar ali, trancafiado. Vim para a casa do meu melhor amigo desse mundo, a pessoa que define família no meu Aurélio. E aqui também não me sinto em casa. E, novamente, esse tempo, essa treva me faz questionar se há algum lugar pra mim. Eu sinto que não pertenço. Eu sempre senti, né? Ninguém aqui é louco, não é hora de poetizar agora e fingir que é novidade o que sempre me aterrorizou: eu não pertenço, nunca pertenci. Aquele símbolo da Matemática, sabe? ∉ = x não pertence ao conjunto? Eu.
Nesse momento, não é difícil se deixar levar pelos pensamentos opressores, e sim, eu tenho seguido meus dias lutando a cada minuto, com o humor em picos e vales, do desespero à perseverança. Mas também é fácil ligar os pontos e simplesmente aceitar as vozes do Sabotador Interno. E me questionar: por que eu mereceria ir longe, conquistar? Por que eu teria um lugar a que pertencer? Quem sou eu nesse tabuleiro pra conseguir tanto?
Tá escuro aqui.
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