O ano era 2011, eu havia recém chegado a Gold Coast e descobria os arredores, tudo com ar de novidade. Após uma dessas andanças, e reparando o ritmo provinciano que a cidade levava, postei aqui um texto comentando como, até então, a parcela de homens gays que havia avistado era composta inteiramente por homens afeminados, e reportei a notícia com um descontentamento expresso - uma repulsa, até. A maior parte das pessoas que leram o post não viu grandes problemas, mas um leitor assíduo da época deixou um comentário que, embora ríspido, pretendia me escolar sobre o assunto. Discutimos calorosamente pela caixa de comentários, até que deletei o texto, não gosto de conflito.
O fato é que, em 2011, não vivíamos a cultura da lacração; ou melhor dizendo, não tínhamos, enquanto sociedade, o nível de esclarecimento e evolução do respeito às microminorias que temos hoje. Já nesta década, um texto como aquele não seria aceitável, tampouco eu o escreveria, pois com o avanço do pensamento comum, o meu também escalou - ainda bem! A gente é mais ignorante quando, diante da informação, a recusa.
Corta para 13 de março de 2024: em cena, minha psicóloga, atenta, me ouve desdobrar eventos de infância e como tenho concluído, que, a partir deles, construí minha resistência e aversão a dividir minha intimidade com outros. Ela me rebate com: "O que é intimidade para você?". E eu ilustro, é o que sinto quando estou com meus amigos e tenho liberdade para falar e agir como realmente me importa. Diante disso, percebo que, sob a influência de um grupo de amigos, aprendi a abraçar meus traços de feminilidade que, em meus anos formativos, fui condicionado a reprimir como fossem uma praga. Da convivência veio a naturalização e, logo, a aceitação. Hoje eu adoro quando, na companhia certa, me sinto à vontade para dar pinta, dar close, desmunhecar, falar manso com voz fina e afetada, ou ser referido com palavras femininas - querida, mulher, gata, amiga, linda - e com termos que não mais tomo como insultos, mas sim íntimos - gay, viado, puta, bicha bichérrima.
Eu pediria, e peço, desculpas ao leitor que me alertou, lá atrás - e a quais outros tenham se ofendido -, sobre meu comportamento tóxico, embebido de um preconceito aprendido. Mais relevante que o erro é o acerto a que cheguei, a visão clara de que a vida é mais leve quando a gente não se deixa prender a amarras vãs, e apenas larga mão do controle, passa o volante e a direção das coisas para o autopiloto da vida, e do mais ela se encarrega; apenas confia e vai.
Em pouco mais de uma hora se encerrará o meu ano do arcano Carro, que posso atestar, foi de percurso árduo, de pedágios, acidentes e desvios de rotas, mas com orgulho posso, hoje, ver aonde eu cheguei, e reconheço que a viagem valeu a pena - pelo destino e pelo trajeto, contente e ciente de que muito aprendi no caminho.
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