E por revelar traumas de infância, em meio à obscuridade desta quarentena, reflito sobre alguns padrões de conduta. Dias difíceis, ficar preso aqui nesta casa, aqui nesta mente. E quando se abre a porta, é estranho botar o pé pra fora, parece que desaprendi.
Outro dano dos meus tempos de criança é o absoluto terror de passar vergonha. Sempre tímido e sem saber pertencer, eu buscava fugir de atenção e evitar a exposição, porque demonstrar quem eu era causava estranhamento e eu me acanhava com o julgamento alheio. Aos poucos, na vida, fui desenvolvendo uma relação traumática com a vergonha. Imagina isso, não poder mais errar? Um adolescente que não pode "pagar mico"? Errar é se humanizar, é se abrir ao aprendizado, e afinal a gente veio aqui para aprender errando, evoluir. Pois esse passo tão natural foi virando, na minha experiência, um agente vulnerante.
Eu tenho memórias muito claras de várias passagens em que aprendi o jeito certo das coisas quando cometi um erro e passei vergonha, porque ali se gerou uma ferida pelo embaraço. Acertos que, até hoje, quando repito, me trazem à mente o acanhamento que passei no momento do errar. No frigir dos ovos, houve o aprendizado, mas que se guardou como uma lesão, maculada de carga traumática.
E quanto à rejeição (aquela minha outra avaria psicológica violenta), é o que me leva a retrair: ser rejeitado é um lembrete de que mostrei quem eu sou, me abri e expus, e não agradou - ou, em fazê-lo, a graça se perdeu. E então, o trauma da vergonha me acomete. Difícil visualizar a vergonha pela lente do racional e poder tomar uma decisão adulta a respeito; é difícil poder. O garoto, recluso, quer sim atenção.
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