Já se foi um mês desde que a Netflix estreou a série Heartstopper, e nessas quatro semanas eu revisitei muitos aspectos da minha vida, e chorei e sorri com o coração aquecido e em ebulição. Na obsessão com que essa história me arrebatou, é inevitável pensar no impacto que teria causado na minha formação se a série ou os quadrinhos estivessem disponíveis na minha adolescência.
Estava refletindo sobre minhas óbvias semelhanças com o Charlie, especialmente sobre a forma como ele se sujeitou a uma relação tão nociva e de pouco proveito com o Ben. Alguém que o trata como lhe convém, sem respeito ou consideração pela pessoa do outro, soa familiar.
Nesses dias voltou à terapia o tema do meu ciclo vicioso de rejeição, e olhando pra história do Charlie, me pergunto: se o Nick não tivesse aparecido naquele primeiro dia de aula, como teria sido o ano do Charlie, e por quanto tempo ele teria prolongado os encontros escondidos e aceitado o Ben lhe tratar tal qual lixo? Em certo momento, dentro da sua fragilidade, ele entende que não dá mais e manda por mensagem um "não quero mais te ver". Se ele teria cumprido essa resolução ou não, não me cabe adivinhar. Me importa o que eu faria, e faço e tenho feito.
O Charlie logo conseguiu abrir os dedos e largar sua ideia feita do Ben, e o garoto real a que ela não correspondia, deu meia volta e deixou o veneno escorrer para trás, aonde o passado pertence, tudo isso porque à sua frente pairava uma oferta melhor, alguém acolhedor, carinhoso, que lhe queria bem - ainda que na incerteza de que o Nick seria um interesse romântico ou apenas amizade. Diante de alguém que nos abraça, não restam razões inconscientes para nos mantermos presos sob o feitiço de quem nos macula com espinhos.
Minha psicóloga me questionou qual foi minha reação quando o Charlie, ao final da temporada, é provocado pelo Ben, e novamente se desliga da situação, sem enlace ou fraqueza. Eu respondi que senti orgulho, o mesmo orgulho que eu, quando escrevi o Benin pro meu filme, buscava sentir por mim mesmo, ainda que por vias de projeção no personagem (como faço há anos aqui neste blog). E hoje eu larguei pra trás quem me fazia mal, de novo, a muito custo e com nenhuma resposta às minhas perguntas, senão o silêncio e um "desculpa", disparado assim meio sem alvo. Ainda me enrosquei em muitas teias de questionamentos, mas pareço sair dessa, é promissor.
Nunca tive, como o Charlie, a chance de me envolver com alguém bom para esquecer alguém ruim, e esse é um dos motivos por que demoro tanto a deixar pra trás. E sim, estou somente agora, aos 35, realizando que ainda desejo um Nick, mas se - ou enquanto - não me aparece, quem tem que ser uma pessoa doce e ajudar a quebrar minhas algemas sou eu mesmo.
"Heartstopper", by Alice Oseman, Netflix 2022 |
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